fonte: Folha de SP

Para frear pedidos judiciais que vão de água de coco e absorventes íntimos até remédios não aprovados no país, o Ministério da Saúde e o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) articulam a criação de núcleos de apoio técnico para subsidiar os juízes em decisões sobre direito à saúde.

Apesar da lei federal, que em 2011 regulamentou os critérios para acesso a terapias no SUS, o Judiciário ainda não a considera e entende que, segundo a Constituição, o Estado é obrigado a ofertar cuidado integral à saúde, o que, na prática, tem se traduzido em “tudo para todos”.

Isso fez explodir o número de ações que pedem acesso geral e irrestrito a bens e serviços de saúde. Neste ano, os gastos de municípios, Estados e União com a judicialização devem atingir R$ 7 bilhões. Em 2010, os gastos foram de R$ 139,6 milhões, segundo o Ministério da Saúde.

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O assunto foi discutido durante simpósio sobre judicialização da saúde realizado na pela Academia Nacional de Medicina, no Rio de Janeiro.

Segundo o médico Francisco Sampaio, presidente da academia, a judicialização favorece os mais esclarecidos, com melhores condições financeiras e acesso a melhores advogados, em detrimento dos mais necessitados.

Os números paulistas deixam isso claro: só o governo do Estado de São Paulo gasta R$ 1,2 bilhão com a judicialização na saúde. De 60% a 70% da ações vêm de advogados e médicos privados.

“De onde vou tirar R$ 1,2 bilhão se os recursos estão cada vez mais escassos? É uma situação incompatível com a realidade”, diz David Uip, secretário da Saúde do Estado.

Segundo ele, a judicialização impede que o gestor faça compras por meio de processo licitatório e busque o melhor preço. “Com a liminar, preciso atender a demanda em 24 horas, se não corro o risco de ser preso”, conta ele, que em dois meses sofreu dez ameaças de prisão.

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Para o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, diretor do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde, o tema traz um conjunto de contradições e desafios, pois a judicialização é danosa para o planejamento e a sustentabilidade dos sistemas de saúde, mas, ao mesmo tempo, expressa um direito constitucional do cidadão.

“Quem deve arbitrar? O Judiciário, que muitas vezes parece estar exercendo ilegalmente a medicina? O médico prescritor, que está envolvido em escândalos com as farmacêuticas? O legislativo, que passa por cima da agência reguladora?”, provocou.

Antonio Brito, presidente da Interfarma (associação das farmacêuticas de pesquisa), defende um pacto contra a crescente judicialização.

“Nenhum país do mundo consegue oferecer tudo, mas é preciso mais organização no país. O Ministério da Saúde precisa fazer uma lista do que está faltando de essencial e exigir preços [de remédios, por exemplo] condizentes”, sugere ele.

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Para a médica Maria Inês Gadelha, da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, observa-se hoje uma perigosa amplitude do conceito de saúde nas decisões judiciais. “A saúde responde por direito social, assistência social. As ações pedem fraldas, comida”, diz ela.

Com isso, argumenta Gadelha, “há uma negação das normas estabelecidas e uma imposição a despeito de ações e serviços disponíveis.”

O ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) João Otávio de Noronha, corregedor nacional de Justiça, diz que a judicialização tem sido desastrosa para os sistemas público e suplementar de saúde.

“O julgador precisa interpretar as normas dentro do princípio da razoabilidade. O direito coletivo deve prevalecer em relação ao direito individual”, afirmou.

Noronha apoia a criação de mais núcleos de apoio técnico e outras propostas que visem frear a judicialização, como as varas especializadas em saúde e a criação de câmaras de conciliação.